A vitória sobre o nazifascismo é nossa. Os crimes e enganos não.

A vitória sobre o nazifascismo é nossa. Os crimes e enganos não.
Frida Kahlo, Menina com máscara da morte (1938).

Publicado por Elídio Alexandre Marques em 09 de maio de 2025.

Os dias 8 e 9 de Maio são comemorados como "Dia da Vitória" na "Europa" e na "Rússia" respectivamente. 80 anos hoje e é preciso que se lembre e que jamais se perca esta vitória que é da humanidade, de sua possibilidade existencial.

Ainda durante a Guerra e de forma mais evidente depois nunca deixou de haver disputas, em diferentes formatos, inclusive de grandes acordos conservadores, entre "O Ocidente" e a União Soviética. Fez parte dessa disputa a construção de uma representação do conflito como sendo predominantemente um conflito com o "lado de cá" (já que somos tratados e nos tratamos muitas vezes como anexo subordinado do Ocidente). Todos crescemos vendo milhares de filmes que omitem, basicamente, duas coisas: o decisivo peso da União Soviética e as cumplicidades com a ascensão daqueles regimes e com suas ações e ocupações.

A facilidade com que a Alemanha nazista ocupa e mantém ocupada a Europa Ocidental não se deve apenas a questões militares, mas a uma enorme cumplicidade de parte de suas elites econômicas e setores médios por estas dirigidas. Hobsbawn nos lembra o que se tenta apagar: por toda a parte a guerra foi muito uma "guerra civil", pois houve setores contrários, mas também favoráveis ou acomodados aos nazistas em cada país. Glorificamos com toda a justiça o papel dos partisans, das resistências, mas não podemos esquecer do papel das cumplicidades, das desistências.

Nos anos em que prevaleceu a ocupação a economia continuou funcionando, as fábricas produziram, os trabalhadores foram explorados - inclusive em campos de concentração - alguns empresários acumularam dinheiro, sempre em algum grau de cumplicidade com o que hoje reconhecemos como absurdo. A dimensão decisivamente capitalista e a cumplicidade de setores burgueses raramente aparece nas fotos deste passado que se rejeita.

"O Ocidente" hesitou. Primeiro diante da tentação nazifascista - uma forma possível, para muitos, de fazer frente aos movimentos de trabalhadores e outras contestações ainda inspiradas pela experiência soviética. Depois sobre a necessidade e o empenho em enfrentá-lo. Churchill, alçado à condição de bonachão bem humorado responsável pela vitória em nosso imaginário construído, expressou por muito tempo antes e depois da guerra a prioridade que atribuía à contenção do "bolchevismo".

A "Conferência da Vergonha" (Munich, 1938) é o momento documentado em que a "hesitação" vira pusilanimidade e em que o Ocidente adia a guerra com Hitler para que este a faça primeiro, e quem saiba vença, com a União Soviética.

É neste cenário que Stálin faz o acordo, provisório, "tático", mas de consequências humanas terríveis para milhões de pessoas, com seu declarado arquiinimigo. O primeiro estado operário deu as mãos ao estado mais violentamente anti-operário de sempre para que este pudesse começar sua guerra de dominação pelo Ocidente e aquele pudesse ganhar tempo.

Esta postura de Stálin (de 39 a 41 a guerra corre sob este pacto e se caracteriza pelo avanço fácil dos nazistas sobre a Europa) pode, claro, receber diferentes leituras e interpretações. Desde "jogada genial" que devolveu a covardia de Munique e a guerra para o lado ocidental a "traição a princípios inegociáveis" de um estado que nascera justificado pela defesa dos trabalhadores que seriam esmagados pela Alemanha.

Só não é razoável omitir:

- a imensa contradição e importância deste momento;

- o desnorte produzido em milhões de trabalhadores que se referenciavam na URSS e nos partidos comunistas e que perdem muito do direcionamento de resistência ao avanço nazista;

- as consequências terríveis da ocupação nazista e que houve ações soviéticas e de pró-soviéticos não aceitáveis;

- que a fragilidade soviética de 39 - chegam a perder a guerra contra a Finlândia - é responsabilidade inclusive das perseguições estalinistas dos anos anteriores, que desmantelaram parte importante da direção militar.

O nazifascismo foi vencido. O papel do povo e dos soldados soviéticos foi heróico e decisivo. As campanhas pelo seu apagamento e desmoralização são parte das mais sujas da política Ocidental que teme e disputa até hoje contra a memória de um estado de trabalhadores. Muitos dos elementos do nazifascismo vivem e, sob certas condições, florescem nas sociedades contemporâneas - aliás, a Ucrânia e a Rússia, "incorporadas" aos modelos ocidentais há 35 anos estão longe de estarem livres disso.

O nazifascismo, que foi vencido, precisará continuar a ser vencido todos os dias até que não seja mais uma possibilidade. Lembrar que foi vencido por um regime inaugurado por trabalhadores é fundamental, negar isso é facilitar sua volta. Esquecer o papel deletério da burocratização stalinista - mesmo com a qual e apesar da qual a URSS venceu - só nos leva ao desnorte, como aqueles dos comunistas abandonados por suas direções no início da guerra. Assim como eles, nós, um tanto desnorteados às vezes, é que teremos que protagonizar as novas vitórias diárias sobre o horror que tenta sempre se organizar em favor dos mais vis interesses do capital.

A Vitória foi nossa. Os Crimes e enganos não. O futuro pede muitos outros dias como aqueles de Maio, há 80 anos. Virão. Não há opção, então, os faremos. Virão.

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