Boulos assume cargo ministerial e a esquerda lava as mãos

Boulos assume cargo ministerial e a esquerda lava as mãos
Salvador Dalí, A mão - o remorso da consciência (1930).

Publicado por Douglas Alves, em 22 de outubro de 2025.

O PSOL erra ao não fazer o debate sobre a nomeação de Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência com mais firmeza. Suas lideranças, parlamentares e figuras públicas erram grandemente ao postar notas de celebração e congratulações por essa nomeação. E aqueles que afirmam que a entrada do antigo líder do MTST para um cargo ministerial significa um giro à esquerda do governo Lula erram gravemente, para dizer o mínimo, ao não enxergar nesse movimento o giro à direita de Boulos, na medida em que isso aprofunda seu alinhamento com o governo.

Após um longo tempo na letargia e desesperança, o ativismo de esquerda foi às ruas com força no dia 21 de setembro. Esse episódio encheu de entusiasmo a militância e teve efeitos imediatos na conjuntura política com o recuo do Congresso Nacional na PEC da “Blindagem” e no projeto de Anistia aos golpistas. Isso não pode ser subestimado. A força da mobilização popular foi além e enterrou qualquer possibilidade de manifestações contrárias à condenação dos conspiradores que atentaram contra a democracia. Um levantamento do Datafolha aponta que mais da metade da população (54%) não apoia anistiar Bolsonaro. Há alguma alteração na correlação de forças, ainda que pequena, mas ela é real. 

Diante dos que creem, seja por ingenuidade ou oportunismo, que a nomeação de Boulos como ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência fortalecerá a luta contra a extrema direita e o neofascismo, é urgente destacar o contraste das movimentações:  justamente no momento em que a esquerda retoma o protagonismo e dá um passo para as ruas, Boulos faz o movimento contrário e dá um passo para dentro dos palácios do poder.

Na medida em que o PSOL vai entrando cada vez mais na órbita desse governo, vai sendo esvaziado o único polo político à esquerda que, com alguma independência, consegue falar para uma audiência relativamente grande, sem cair na invisibilidade completa das legendas da autoproclamada “esquerda radical”. O comprometimento com o governismo enfraquece esse polo conforme aumentam os constrangimentos para criticar o arcabouço fiscal, os vultosos recursos destinados às emendas parlamentares e uma longa e importante agenda de reivindicações de movimentos sociais, sindicais, ambientais etc. Isso tende a enfraquecer a capacidade de articular a disputa política entre as ruas e o parlamento, apontando para a institucionalidade como arena de luta e solução para a atual crise. 

Há um conjunto de enfrentamentos a serem travados e fortalecidos, que dizem respeito diretamente à melhoria de vida da população que vive do trabalho, como o fim da escala 6x1 e a taxação dos super ricos. Há também lutas importantíssimas contra a PEC da “Devastação”, por demarcação de terras para reforma agrária, para indígenas e quilombolas e, agora, contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Todas elas unificam o Agro e outros setores das classes dominantes contra a agenda ambiental e a luta pela terra. E é imperativo falar da política de Fernando Haddad, que subordina e limita o governo aos caprichos do capital financeiro, dos “mercados” e da Faria Lima com o arcabouço fiscal. Essa breve lista mostra que a mobilização social, se for aprofundada, pode expor impasses entre os compromissos de conciliação implicados pela frente mais que ampla encabeçada pelo lulismo e os interesses concretos dos segmentos que efetivamente se chocam com o neofascismo e seu projeto.

Avançar na mobilização por essas (e tantas outras) pautas é crucial para retomar a autoconfiança das bases, revitalizar a esquerda e construir um horizonte político de esperança por transformação. A estratégia da simples resistência dá sinais de limitação e cansaço. 

Quando a eleição acontecer no próximo ano, o que poderá intimidar a extrema-direita e o neofascismo será a capacidade de organização, politização das pautas e mobilização social da esquerda e dos progressistas, ou seja, sua força nas ruas. Cada derrota imposta ao projeto deles, a exemplo dos resultados obtidos após o 21 de setembro, os deixa mais fracos. E cada vitória nossa, como a isenção do IR para os que ganham menos e a possibilidade real de taxar os super ricos, nos deixará mais fortes. Esses elementos irão pesar na balança de forças e ajudar a definir as condições em que as próximas batalhas, inclusive a eleitoral, serão travadas.

E diante da insistência em afirmar que não se pode fazer o jogo da direita, que não se pode dividir a esquerda e que não se pode enfraquecer o governo que fica a pergunta: por que lutar por medidas que trazem melhorias reais para a vida da população, que repartem, ainda que muito pouco, o peso da injustiça social com o andar de cima, que limitam a destruição ambiental e colocam algum constrangimento aos políticos do centrão implica em enfraquecer o governo? Em outros termos, e para revelar a sandice desse raciocínio: devemos evitar impor derrotas à direita para não fortalecer a direita? Devemos evitar buscar vitórias à esquerda para não enfraquecer ou dividir a esquerda? Algo não está fechando nessa conta. 

Quando Boulos, uma importante liderança do movimento social e uma voz ativa nas lutas populares, assume esse posto no governo, ele invariavelmente assume os limites que tal posição implica. Será uma voz a menos, e não o contrário. E possivelmente os constrangimentos desse cargo irão respingar sobre seu partido e seus apoiadores. 

Não é hora de saudar o novo ministro-chefe, tampouco de lavar às mãos diante da nomeação. É preciso tirar as devidas conclusões da retomada das ruas e debater como continuar aquele movimento.  

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