Lutas econômicas, lutas políticas? Um comentário luxemburguista sobre a conjuntura brasileira

Por Carolina Freitas, em 25 de maio de 2025.
Na verdade são justamente os adversários da greve de massas que reivindicam para si o mérito de se levar em conta o terreno histórico e as condições materiais da situação atual na Alemanha, em oposição aos “românticos revolucionários” que flutuam no ar e não querem contar com a dura realidade, com suas possibilidades e impossibilidades. “Fatos e números, números e fatos”, exclamam como M. Gradgrind em Os tempos difíceis de Dickens. O que os adversários sindicais da greve de massas entendem por “terreno histórico” e “condições materiais” são dois elementos: de um lado, a fraqueza do proletariado, de outro, a força do militarismo prussiano-alemão. As organizações de trabalhadores e os fundos de caixa insuficientes, bem como as imponentes baionetas prussianas, esses são os “fatos e números” em que os líderes sindicais baseiam sua prática política no caso em questão. Com efeito, os caixas sindicais assim como as baionetas prussianas são sem dúvida fenômenos bem materiais e bem históricos, só que a interpretação baseada neles não é o materialismo histórico, no sentido de Marx, mas um materialismo policial no sentido de Puttkamer[1] (LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos. In: LOUREIRO, Isabel. Rosa Luxemburgo - textos escolhidos (1899 - 1914). São Paulo: Editora Unesp, 2011, pp. 269-270).
Há quase 120 anos, Rosa Luxemburgo publicava um texto intitulado Greve de Massas, Partido e Sindicatos, possivelmente o maior registro analítico “à quente” da revolução russa de 1905. A obra dá atenção à inversão histórica pela qual a greve de massas, como uma postulação idealista anarquista, torna-se, quando concretizada sob orientação da social democracia russa, um método materialista e histórico do proletariado. Ou seja, a greve geral (ou greve de massas), a partir desse irromper do século XX, transforma-se na visualidade histórica por excelência que os momentos de apogeu revolucionário dos trabalhadores assumem contra a sua subordinação ao capital e ao Estado[2].
A greve de massas está, para Luxemburgo, longe de aparentar um clique de prontidão, pelo qual, de um minuto a outro, centenas de milhares de trabalhadores paralisam suas atividades para que a dominação capitalista seja imediatamente destituída. Também não se realiza como um roteiro pré-pronto saído de uma reunião de cúpula do aparelho sindical ou partidário. Segundo o ponto de vista da revolucionária, esse momento expressaria o encontro entre a condição econômica e a estratégia política dos explorados.
A obra enxerga um alvorecer dessa unidade na revolução que encobriu, em 1905, o território do império russo de leste a oeste, de norte a sul. O próprio estilo de exposição do texto é partidário dessa conclusão: trata-se de um estudo empírico minucioso e exaustivo sobre as condições materiais e os elementos de formação sindical do proletariado russo desde 1896 até a revolução, entremeado de sumos teóricos de grande brilhantismo a respeito desse novo amálgama entre o político e o econômico na luta de classes[3]. Essa fórmula se expressaria com ineditismo na Rússia, mas seria um processo mais geral, constitutivo de uma nova era, em meio aos anos de adaptação parlamentar da social-democracia alemã e de estiramento do movimento socialista internacional ao longo das três décadas anteriores, depois da violenta derrota da Comuna de Paris em 1871.
Em curto resumo, dois estaleiros que compunham a representação oficial dos trabalhadores da fábrica Putilov, em São Petersburgo, foram demitidos depois de uma greve em dezembro de 1904, formando-se rapidamente um movimento em solidariedade a eles por milhares de trabalhadores da categoria. O movimento ensejou, no início de janeiro de 1905, a primeira carta proletária por liberdades civis no país, demandando jornada de trabalho de oito horas, direito de reunião, liberdade de expressão e de imprensa. Em 09 de janeiro, cerca de quatro mil operários manifestantes foram fuzilados nos arredores do palácio do czar, enquanto este fugia da cidade, no episódio que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”. Ainda que respondido prontamente com violentíssima repressão do Estado czarista, um poderoso rastilho político incitou movimentos grevistas – de artistas a padeiros – em outras partes do império, como a Lituânia, o Cáucaso, a Sibéria e a Polônia. Era a primeira vez, de maneira generalizada, que a classe trabalhadora unificava suas demandas econômicas à recusa política do regime político czarista.
Esse encontro histórico entre uma situação de formação de classe que mesclou elementos políticos e econômicos – a luta contra a exploração extensiva do trabalho, o despotismo antissindical e a consequente necessidade de oposição política à autocracia czarista depois do amplo morticínio que havia promovido contra os grevistas e suas famílias – podem ser surpreendentemente criativas para ler e intervir na conjuntura política brasileira. Em outras palavras, as pautas econômicas e as pautas políticas em curso hoje deveriam ser enxergadas na unidade dialética para a qual Rosa Luxemburgo chamou atenção nesta obra.
É esse o aspecto específico inspirador de seu estudo para refletir sobre a realidade brasileira atual: enxergar os elementos políticos através dos elementos econômicos e vice-versa, privilegiando a qualidade de conversão entre essas duas dimensões. Segundo a autora, um “fio” que “prepara o solo” da realidade e solapa os esquemas teóricos prévios bem arredondados pela burocracia social-democrata[4]. Aqui, não é recomendado esquecer que esse é um dos primeiros textos teórico-políticos mais abertos e sistemáticos de Luxemburgo na sua oposição à burocracia sindical e parlamentar social-democrata na Alemanha, depois de Reforma ou Revolução?, de 1898, e Questões de organização da socialdemocracia, de 1904.
Para salvaguarda de qualquer acusação previsível sobre mobilizar um texto historicamente tão discrepante, de mais de um século atrás, para comentar a situação brasileira atual, vale ressalvar, em primeiro lugar, que a distância histórica não é pretexto para negar o proveito do seu conteúdo inovador, ainda que seja imperioso, para qualquer leitura da correlação de forças entre as classes sociais atualmente, o deslocamento do contexto revolucionário original da obra. No entanto, e em segundo lugar, há dilemas efetivamente semelhantes: Rosa Luxemburgo observava o nascimento da experiência da luta de um proletariado em formação que requeria, por necessidade histórica, enfrentar um regime político para existir. Polemizando com a direção do movimento social-democrata alemão, assim descrevia os acontecimentos que se sucedem nessa aurora proletária russa na virada do século passado:
As sólidas organizações concebidas como fortalezas inexpugnáveis e cuja existência tem de ser assegurada, antes de eventualmente se pensar na realização de uma hipotética greve de massas na Alemanha, são, ao contrário, fruto da própria greve de massas. E enquanto os ciumentos guardiões dos sindicatos alemães temem, antes de tudo, ver quebrar em mil pedaços essas organizações, como uma preciosa porcelana no meio do turbilhão revolucionário, a Revolução Russa apresenta-nos um quadro completamente diferente: o que emerge dos turbilhões e da tempestade, das chamas e das brasas das greves de massas,... como Afrodite surgindo da espuma dos mares, são... sindicatos novos e jovens, vigorosos e ardentes[5].
Pensando nessas questões para o presente, vale começar afirmando que há, com certo grau de atraso, um consenso estabelecido no amplo espectro da esquerda de que está em curso uma reconfiguração profunda da exploração do trabalho no Brasil. Se há continuuns maiores que poderiam explicar, desde o introito neoliberal no fim dos anos 1980, a queda dos empregos industriais clássicos em regiões metropolitanas, é certo que a frente econômica que mais se expandiu desde então foi a de serviços urbanos. Mais recentemente, esses serviços foram industrializados sob o controle de plataformas digitais. Não é secundário que esse “reprocessamento” da classe trabalhadora brasileira tenha como baluarte a destruição da regulação do trabalho em sucessivas aprovações de novas legislações e decisões judiciais de tribunais superiores, além de medidas provisórias presidenciais, pelo menos desde 2015[6].
Há, nesse momento histórico nacional, duas lutas que expressam essa reestruturação do modo de exploração da força de trabalho e, a nosso ver, ambas se relacionam com essa mencionada economia industrial de serviços: os breques dos Apps, desde 2020, bem como a campanha pelo fim da escala 6x1, protagonizada pelo Movimento Vida Além do Trabalho desde 2023. Com a dinamitação dos vínculos e forças sindicais operada pela ampla contrarreforma na última década, o movimento dos entregadores de aplicativos, bem como os trabalhadores do comércio e dos serviços pelo fim da escala 6x1, são expressão direta e destampada de uma refundação do movimento do trabalho – ainda que sejam consequência histórica da brutal ofensiva do capital nesse mesmo período.
Em contraposição a essa ofensiva, a conjuntura efetivamente foi transformada por esse novo espírito sindical, que recobrou a centralidade da superexploração do trabalho para a esquerda. Os entregadores emergiram “em si” e revelaram como os trabalhadores foram tanto essenciais quanto descartáveis no front da realidade viral e mortal da COVID-19, por exemplo. Fazer um breque ressuscitou a ideia de cruzar os braços, permanentemente jubilada pela hegemonia das instituições do capital e do Estado no neoliberalismo. A mobilização mais recente, entre março e abril de 2025, foi considerada a maior e mais nacionalizada da categoria, desde o primeiro breque em 2020. Poucos anos depois, o movimento Vida Além do Trabalho despontou e regenerou a luta primária e primordial dos assalariados: a conquista do tempo, tão candente entre padeiros, oficiais, metalúrgicos, estaleiros e carvoeiros daquela Rússia explicada por Luxemburgo no início do século passado.
Entre diversos episódios recentes que provam sinais dessa renovação, vale lembrar do clima de revigor do primeiro de maio deste ano de 2025 em atos no Brasil inteiro com a bandeira central do fim da escala 6x1, no lugar da fotografia de um Itaquerão esvaziado em 2024, que apenas sugeria a melancolia vazia e inoperante das direções sindicais tradicionais. Ainda que com debilidades profundas e hesitações apassivadoras, a aproximação das frentes e movimentos tradicionais da pauta da jornada de trabalho e da pauta da remuneração das entregas pelas empresas de plataforma hoje existe mais efetivamente.
Sob outro aspecto da realidade brasileira, o texto de Rosa Luxemburgo nos vale “do avesso”, no sentido de que se torna contributivo precisamente por vivermos, talvez, uma situação contrária à situação revolucionária de 1905, ou seja, uma situação que permanece, desde o intervalo 2016-2018, à espreita de um risco contrarrevolucionário – avizinhando-se ainda mais com a proximidade de 2026. A tensão política da conjuntura, mesmo que com sinal contrário àquele início de 1905[7], segue como um desafio de ordem política fundamental, qual seja, destruir a extrema-direita e seu projeto contrarrevolucionário preventivo contra assalariados, favelados, indígenas, quilombolas, sem-terra, periféricos e oprimidos ao redor do país.
Mesmo que o golpe de Estado tentado em 2023 tenha sido impedido no Brasil, são muitas as evidências que nos asseguram, sem qualquer tranquilidade, o peso e a força social e política que a extrema-direita segue demonstrando, a exemplo das eleições municipais de 2024 e da maioria favorável à anistia aos golpistas na Câmara Federal (sem contar a aliança de Trump na Casa Branca). A conjuntura política ainda foi recheada de episódios conscientemente produzidos por expoentes do campo bolsonarista, que foram entrecortando habilmente a possibilidade de reversão mais decisiva dos índices de popularidade do governo petista.
Se há um desafio precípuo de combater, enfraquecer e eliminar a extrema-direita como força social e política, é preciso compreender como a sobrevida insistente e expansiva do inimigo é produto de sua lógica, e das características que compõem essa lógica. A mimesis, ou a mimese[8], ou seja, a técnica de imitação, é mobilizada com mais eloquência desde 2015, quando o Movimento Brasil Livre – MBL – reproduziu deliberadamente a sigla mais famosa das ruas em junho de 2013, o MPL. Desde lá, as mimesis se sucederam e contribuem para um padrão explicativo do crescimento orgânico do bolsonarismo antes, durante e depois da sua experiência de governo.
Já durante essa terceira gestão Lula, depois do golpe tentado em janeiro de 2023, os novos quadros da extrema-direita, em particular o deputado mineiro Nikolas Ferreira, compreenderam que a superação política da figura de Bolsonaro como proa do próprio bolsonarismo adviria de uma linguagem digital perversiva das preocupações econômicas populares, tradicionalmente defendidas pela esquerda. A cooptação de setores populares em base a contradições e equívocos do governo Lula vem, portanto, formando o substrato preferencial desse experimento mimético da extrema-direita.
Alguns episódios são mais facilmente lembráveis nesse sentido. O curso de queda da popularidade do governo foi atravessado pela crise da taxação das blusinhas de ampla audiência no comércio digital chinês, primeiro objeto de campanha mais sistematizada contra Lula em 2024. Logo em seguida, e ainda mais intensamente, o vídeo viral de Nikolas Ferreira alimentando novamente o receio generalizado de taxação fez o governo entrar em crise, quando da portaria expedida para fiscalização das operações de pix – forma pela qual centenas de milhares de brasileiros ingressaram no sistema bancário desde que foi instituído como transação, em 2020. A alta inflacionária dos alimentos combinou-se a esse cenário e as convocações de atos pela anistia aos golpistas vieram acompanhadas da bandeira contra o custo de vida, tão cara à história de lutas aos 60 anos de ditadura empresarial-militar, anos que não puderam ser lembrados em eventos oficiais pelo governo atual. Em seguida, quando apresentado o pacote de corte de gastos por Fernando Haddad, no segundo semestre do ano de 2024, a extrema-direita voltou a capitanear a campanha contra os cortes no benefício de prestação continuada (BPC), que fez parte do conjunto de medidas anunciadas pelo Ministro da Fazenda.
A respeito desses referidos cortes, vale lembrar que o contexto de ascensão do movimento VAT mais amplamente na imprensa e na própria esquerda se deu no mesmo momento, pós-eleições municipais de 2024. O pacote, ainda que sofrendo intensa pressão das agências do mercado financeiro para ser anunciado, foi postergado durante semanas por causa do impacto produzido pelo Movimento VAT no debate nacional, que efervesceu para além das direções sindicais, parlamentos e jornais. Ou seja, além da importância histórica patente da pauta pela redução da jornada de trabalho, o movimento logrou atrasar a resposta do governo à pressão do capital financeiro para aprovar uma nova rodada do seu programa de austeridade fiscalista, ainda que não tenha barrado sua aprovação.
Na mesma toada de exploração mimética feita pela extrema-direita de demandas autenticamente populares, houve, nas últimas semanas, a agitação contra o confisco fraudador da pensão dos aposentados, “a crise do INSS”, que se tornou um prato cheio para a criminalização do sistema público de previdência e das estruturas sindicais. Nos últimos dias, a taxação do IOF também foi rapidamente revertida pelo governo depois das novas ameaças de agitação viral vindas de Nikolas Ferreira.

Diante desse cenário, a luta pelo fim da escala 6x1 guarda uma poderosa contradição: é um movimento de um jovem proletariado cuja representação nasce de uma reivindicação econômica sem aparente vinculação à tarefa política de derrotar a extrema-direita. Sobre esse aspecto político, é inevitável constatar a ausência de uma campanha consequente contra a extrema-direita, que a constraste por meio da denúncia de sua associação orgânica a interesses econômicos de classe. O combate à extrema-direita, na sua versão mimética de esquerda, esteia-se, estritamente, na combalida fórmula da frente ampla, ou seja, da conciliação com forças do grande capital nos corredores palacianos para acordos pré-eleitorais. A burocracia sindical, por sua vez, “performa” uma resposta sobre a luta política contra a anistia aos golpistas, mas pouco digladia a extrema-direita, revelando-a na essência de sua estratégia de classe, por meio da apresentação de um programa econômico próprio.
A luta econômica pelo fim da escala 6x1 torna-se, ainda que não queira “conscientemente”, fundamental para a própria luta política contra a extrema-direita e este é o ponto a ser explorado. A escala 6x1 não é “mimetizável” pela extrema direita. Sem conseguir lançar mão do seu poder algorítmico com a retórica de que o fim da escala 6x1 redundaria em desemprego em massa para convencer seus seguidores, Nikolas Ferreira foi, provavelmente pela primeira vez, constrangido por sua própria base[9]. Nos últimos dias, a extrema-direita apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa liberalizar a carga e o regime de horários na jornada de trabalho por meio de contratos particulares entre patrões e empregados, como resposta ao efeito da pressão do movimento VAT, que emplacou uma declaração de Lula no seu pronunciamento público no 1º de maio.
É bom lembrar que a extrema-direita disputa, até há mais tempo do que a própria esquerda, a categoria dos trabalhadores de aplicativos e compreende a necessidade de subverter os interesses do trabalho, ao alçar seus tentáculos de propaganda digital contra a CLT e os vínculos trabalhistas, refabricando permanentemente o ethos neoliberal empreendedor, lançando inclusive candidatos e representantes da categoria nos parlamentos com seu projeto ideológico anti-CLT.
Ao mesmo tempo, o infeliz projeto de lei apresentado no ano passado para regulamentar o trabalho por aplicativos, flagrantemente promovido pela Uber, azeitou uma antipatia racional da categoria com o governo. Desde então, o governo e as direções sindicais e partidárias da esquerda vêm corrigindo uma interpretação rasteira que explicava sua distância dessas novas movimentações, não raro culpabilizando os entregadores como “pobres de direita”, e vêm ensaiando uma aproximação mais sistemática dessas iniciativas trabalhistas.
A extrema-direita disputa o sentido das pautas econômicas da conjuntura para o seu propósito de renovação política, projetada no plano de conseguir a maioria mais expressiva possível no senado e condicionar uma mudança de regime político no país, alterando as instituições de Estado, a partir de 2026. À esquerda, deve-se apostar nessa disputa de sentido e imergir nos dois movimentos em curso de renovação das lutas do trabalho, sem com isso dissecar os elementos políticos e econômicos de maneira estanque, sob pena de transformá-los em “cadáver”, como alerta Luxemburgo.
Diríamos que o momento privilegiado da conversão entre a luta econômica e a luta política em Rosa Luxemburgo reside na espontaneidade das massas. Os roteiros mentais e calendários severos das direções da esquerda, como argumenta a revolucionária, devem ser transladados pelos impulsos mais genuínos da classe em luta por seus interesses. Nesse sentido, o papel das direções sindicais, parlamentares e partidárias da esquerda brasileira deve ser o de potencializar a luta econômica na medida em que a prática dessas lutas, seu desenvolvimento mediante a tensão real com os interesses burgueses, pode desmascarar a imitação popularesca do bolsonarismo. O desmantelamento dessa representação perversa de interesses populares pela extrema direita significaria passar ao momento de conversão política da luta econômica, para superar assim a persistente força social bolsonarista entre segmentos proletários.
O inverso do que Luxemburgo argumentou em seu texto seria o movimento de “separar para juntar” a luta política da luta econômica, tais como os esquemas que ela denunciou no seio da direção social-democrata alemã. Roteiros concebidos de trâmites institucionais e a representação (também mimética?) da luta econômica mediante um novo canal ministerial entre o governo e os movimentos sociais parece ir na mão precisamente contrária dessa conversão dialética da luta de classes para que apontava o olhar crítico e visionário inscrito em Greve de Massas, Partido e Sindicatos. Como lança Rosa ao fim do texto, “ que ouse parecer o que é”.
Notas
[1] “Robert von Puttkamer, ministro do interior prussiano de 1881 a 1888, havia expandido o estado policial de Bismarck. Em sua resolução sobre a greve ele exigia de todos os órgãos estatais uma ação intensificada contra os grevistas e convocava a polícia abertamente a exercer ações ilegais contra o movimento operário” (Ibid.).
[2] “A greve de massas aparece assim não como um produto específico do absolutismo russo, mas como uma forma universal de luta das classes proletárias, determinada pelo estágio atual do desenvolvimento capitalista e das relações de classe” (Ibid.).
[3] Ainda que pouco reconhecidos ou grosseiramente taxados de “espontaneísmo”, quando comparados às teses leninista e lukácsiana sobre consciência sindical e consciência revolucionária.
[4] LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos. In: BOGO, Ademar. Teoria da Organização política. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 272.
[5] LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos. In: BOGO, Ademar. Teoria da Organização política. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 272.
[6] Podemos lembrar aqui das Medidas Provisórias no governo ainda não destituído de Dilma Rousseff, em 2015, que reduziram o seguro desemprego; da Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização aprovadas no governo de Michel Temer em 2017; bem como, mais adiante, a Reforma da Previdência no governo Bolsonaro, em 2019.
[7] Vale ressalvar, no entanto, que mesmo a revolução de 1905 foi derrotada em dezembro, e que os anos seguintes (1906 e 1907) foram marcados pela dissolução, pela contrarrevolução, da Duma (parlamento).
[8] Aqui não fazemos referência direta à tese Aristóteles na Poética, ou de Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, ou dos estudos sobre linguagem de Walter Benjamin sobre a mimesis.
[9] UOL. Nikolas Ferreira é criticado nas redes por não apoiar o fim da escala 6x1. Portal UOL, 10/11/2024. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/10/nikolas-ferreira-e-criticado-nao-redes-por-nao-apoiar-fim-da-escala-6x1.htm>.
Referências
LUXEMBURGO, Rosa. Greve de massas, partido e sindicatos. In: BOGO, Ademar. Teoria da Organização política. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
______. Greve de massas, partido e sindicatos. In: LOUREIRO, Isabel. Rosa Luxemburgo - textos escolhidos (1899 - 1914). São Paulo: Editora Unesp, 2011.