O fim da escala 6x1 e o partido do trabalho

Publicado por Pablo Ramon Diogo em 15 de abril de 2025.
Tratando das frações no interior da desagregação do Ancien Régime, Hegel (2002, §575) dizia que a cisão e dissidência em dois partidos “[...] que parece uma desgraça, se mostra antes sua fortuna”, funcionando como elemento purificador de sua continuidade ao suprassumir sua oposição em si mesma. A verdade do partido estaria, assim, em sua separação, ainda que rumando em suas distinções ao mesmo interesse comum. A distensão autocrática assinalada para a realidade brasileira imprimiu uma existência de uma “nova esquerda” espúria ao marxismo, ressentida em seus aspectos teórico-ideológicos, matizando uma atrofia nas posições da esquerda em contraste com a existência humano-societária ineliminável na esquerda (Chasin, 1989) [1].
A disposição das agremiações à esquerda no Brasil mostra-se, portanto – na esteira da interpretação hegeliana –, como a verdade ineludível do partido que compõe os interesses da classe do trabalho. A despeito da situação nada animadora, a verdade dos partidos nessa acepção hegeliana do termo parece antes continuar em suas cisões e dissidências à esquerda.
Não há muito tempo um partido que perfilou e confundiu-se com a trajetória histórica brasileira na luta de classes, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), repartiu-se em novos signatários, fundindo-se no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) [2]. Ao que tudo indica, o movimento de dissidência que busca sua “pureza” revolucionária não findou. Recentemente novo racha rebateu-se sobre o recém-aberto PCBR com carta de afastamento de um de seus fundadores, Ivan Pinheiro. Os casos ilustram senão a continuidade da concepção hegeliana do constructo da verdade do partido, então, por outro lado, o marasmo de miséria em que confluem e sofrem rebatimento as posições na esquerda.
Soçobraria, deste modo, somente a estabilidade dos partidos da esquerda instituídos na alavancagem de suas novas formas com o surgimento da Nova República na história brasileira? Noutros termos: restaria, a nós, convencermo-nos apenas da atuação daqueles partidos situados à esquerda, mas que limitam suas atividades e defesas dentro da lógica do capital?
É fora de dúvida que a liberdade política, requisitada com a correlata sociabilidade burguesa, colocou um papel decisivo para a atuação dos partidos na vida política. Porém, se a maturação do modo de produção capitalista, sobretudo com sua guinada em novos formatos no fenômeno imperialista, exigiu um destaque para os partidos enquanto organizações políticas institucionalizadas, esta – todavia –, não foi sempre sua concepção primária [3].
Em 1848, em plena convulsão social da Primavera dos Povos, em manifesto que concentraria as linhas gerais e diretrizes da Liga dos Comunistas, Marx e Engels imprimiam sua formulação de partido. O partido, então, era compreendido como “[a] organização [...] em classe e, portanto, em partido político [...]” (Marx; Engels, 2017, p. 30). Ou seja, como “[...] união revolucionária, resultante da associação” (Marx; Engels, 2017, p. 32), representando “[...] os interesses do movimento em seu conjunto” (Marx; Engels, 2017, p. 33), como a “[...] fração mais resoluta dos partidos [...]” existentes, “[...] fração que impulsiona as demais [...]”. Portanto, o partido é compreendido aqui como “[...] constituição [...] em classe. [...] expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se desenvolve diante dos olhos”. Os comunistas, nessa formulação de partido, “[...] defendem e representam [...] o futuro do movimento” (Marx; Engels, 2017, p. 50).
A questão do partido ultrapassou o manifesto de 1848. Quatro anos depois, a Liga dos Comunistas foi dissolvida, por proposta e envolvimento direto de Marx. Em carta à Freiligrath, Marx sublinhava: “[...] nunca mais pertenci a qualquer organização secreta ou pública e ainda hoje não pertenço a nenhuma. Assim, o partido, dentro dessa noção essencialmente efêmera, deixou de existir para mim, há oito anos” [4]. A Liga dos Comunista recebeu a qualificação de efêmera dentro da noção de partido em Marx. E ele enfatizava:
Por conseguinte, desde 1852, não conheço nada do que seja um ‘partido’, no sentido da tua carta. Se tu és poeta, eu sou crítico e, na verdade, estava farto das experiências vividas de 1849 a 1852. A ‘Liga’, como a ‘Sociedade das Épocas’, de Paris, e como muitas outras, não passou de um episódio na história do partido que nasce espontâneamente do solo da sociedade moderna [5][.
Desde o término da Liga dos Comunistas, Marx se convencera de seus “[...] trabalhos teóricos serem mais úteis à classe operária do que uma colaboração com organizações já sem razão de ser no continente” [6]. A resposta endereçada à Freiligrath terminava em tom assertivo da noção de partido em Marx:
Tentei, por outro lado, dissipar o equívoco quanto ao ‘partido’, como se esta palavra significasse para mim uma ‘Liga’ desaparecida há oito anos ou uma redacção de jornal dissolvido há doze. Por partido eu entendia o grande sentido histórico que a palavra contém [7].
Nestes termos, o partido não se identifica com tal ou qual organização existente, retomando a formulação já posta em 1848 no seu sentido histórico, enquadrada no interior do movimento operário em sua constituição na luta de classes. O partido irromperia, assim, pelas condições deixadas na evolução da efetividade da luta de classes. Seguindo a interpretação marxiana da noção de partido, valemo-nos, portanto, da concepção de Partido do Trabalho, como construção histórica da tomada de posição na esquerda em confluência com os interesses que representam a classe portadora do trabalho [8].

No desenvolvimento histórico brasileiro, no período que marca a desagregação da escravidão, Joaquim Nabuco (2000, p. 3) tinha atitude semelhante no que compreendia como o Partido Abolicionista, estabelecendo os nexos de sua ação futura e imediata:
O abolicionismo, porém, [...] não se contenta com ser o advogado ex officio da porção da raça negra ainda escravizada; não reduz a sua missão a promover e conseguir – no mais breve prazo possível – o resgate dos escravos e dos ingênuos. Essa obra – de reparação, vergonha ou arrependimento, como a queiram chamar – da emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão.
Para Joaquim Nabuco (2000, p. 7, grifo do autor), o Partido Abolicionista não correspondia “[...] ao que, de ordinário, se entende pela palavra partido. [...] Entende-se por partido não uma opinião somente, mas uma opinião organizada para chegar a seus fins: o abolicionismo [...]”. Ainda que da existência do Partido Conservador e do Partido Liberal, nascidos das contendas da primeira metade do século, o fato é que eles “[...] são todos mais ou menos sustentados e bafejados pela escravidão” (Nabuco, 2000, p. 7).
No terreno da disputa ideo-política, contudo, a existência efetiva e concreta era de dois partidos, duas posições definidas, para o qual os partidos institucionais não tinham qualquer relevância em suas legendas, senão a de serem partidos da ordem. Nabuco (2000, p. 3) advertia que o Partido Abolicionista era “[...] uma concepção nova em nossa história política, e dele, muito provavelmente, como adiante se verá, há de resultar a desagregação dos atuais partidos”. Mais tarde, Alvaro Caminha dizia na tribuna da Câmara que “[...] a questão do elemento servil está acima dos partidos, é mais do que uma questão social, é uma questão humanitária” [9]; e, dois anos depois, A Gazeta da Tarde, de propriedade de José do Patrocínio, anunciava: “[e]m certo momento, não houve mais nem liberais nem conservadores, mas abolicionistas e não abolicionistas” [10]. Valia-se, então, a distinção essencial entre Partido Abolicionista e Partido Escravocrata.
O Partido Abolicionista, enquanto primeiro Partido do Trabalho no Brasil, levou sua ofensiva adiante cumprindo sua missão histórica [11]. Se nessa missão histórica o Partido do Trabalho conseguiu, ao máximo, realizar a tarefa que levaria ao início da Revolução Burguesa no Brasil (Gorender, 2016, p. 207-208) – concretizada em seu passo inicial não pela classe dominante brasileira, de caráter notadamente reacionário –, sua existência como partido não terminaria aí. Transformado a escravidão em escravidão assalariada, caberia ao Partido do Trabalho sua efetividade em novos moldes, reclamados pela nova situação social manifesta na generalização da forma-mercadoria no assalariamento. Suas brigas e posições históricas se situariam, daí em diante, no movimento da classe do trabalho devidamente subjugada pelo salário.
Há algum tempo, entretanto, desde o momento em que a miséria se fixou como elemento comum nas posições políticas e ideológicas da esquerda enquanto quadro dominante de atuação, o Partido do Trabalho arrefeceu. Mas colocada como produto do movimento histórico, jamais estanque e resolvido, havia de ser reavivada como conteúdo dos interesses da classe do trabalho. Recentemente, o cenário político nacional foi agitado com a pauta da Proposta de Emenda Constitucional do fim da escala 6x1. No limbo das diminutas conquistas realizadas pela esquerda no vigente século, a pauta oxigenou e aglutinou os interesses unificadores da esfera do trabalho.

A pauta pelo fim da escala 6x1 não se trata de causa supérflua. A partir do momento em que o modo de produção capitalista se fixa, a jornada de trabalho é elemento primordial no processo de valorização do capital. Antes mesmo do manifesto de 1848, em um ano que lhe precede, Marx (2017a, p. 61) sintetizava a inversão universalizadora do capital ao reduzir tudo a tempo de trabalho para o capital, expresso em sua faceta desumanizadora: “O tempo é tudo, o homem não é mais nada; quando muito, ele é carcaça do tempo. Não se trata mais da qualidade. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada” [12]. Na mensagem inaugural à Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx (2014, p. 97) chamava a legislação da redução da jornada de trabalho para 10 horas como “[...] a vitória de um princípio [...]”, no qual “[...] foi pela primeira vez em que, em plena luz do dia, a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe trabalhadora”.
Mesmo à época da luta pela redução da jornada de trabalho à 10 horas diárias, os arautos da burguesia já bradavam contrariamente a sua resolução, argumentando que destruiria a indústria britânica [13]. As argumentações provaram-se em seu inverso. A indústria e o desenvolvimento de suas forças produtivas cresceram como nunca. Em quase três séculos que separam a ambiência histórica, a mesma argumentação é retomada. O que diriam os representantes brasileiros dos interesses do capital, desfavoráveis à redução da jornada de trabalho pelo fim da escala 6x1, contra o fato da taxa de lucro anual brasileira ser superior diante da taxa de lucro anual estadunidense [14]?
Enquanto a luta de classes perdurar historicamente, não só Partido do Trabalho irá existir, mas também e, sobretudo, seus opositores, alardeando ideologicamente qualquer subterfúgio que mantenha intacto seus interesses privados favoráveis à exploração do trabalho para a acumulação de seu capital. O fim da escala 6x1 toca não apenas no essencial do processo de valorização, ou seja, sua jornada de trabalho, mas rearranja os termos de efetividade da classe trabalhadora e seu partido de interesse.
A argumentação ideológica burguesa contra o prosseguimento do Partido do Trabalho na sua atual luta pela redução da jornada de trabalho, se não quiser ouvir seu antípoda, atente-se, então, nas diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em estudo de 2009 – portanto, mais de uma década e logo após a crise de 2008 –, a OIT já recomendava uma jornada de trabalho semanal de 40 horas (Lee; McCann; Messenger, 2009). Isso equivaleria dizer, se se mantivesse a escala 6x1, que os trabalhadores deveriam trabalhar num máximo de 6 horas e 40 minutos diários. É escusado dizer que tamanha jornada não é a verificável na maioria dos trabalhos que admitem a escala 6x1. Entretanto, vejamos mais o que o estudo da OIT nos revela. Em sua conclusão, seus autores afirmam:
Ao examinar a tendência constante de evitar jornadas longas, por exemplo, dois fatores que podem solapar as tentativas de reduzir jornadas foram analisados: a necessidade dos trabalhadores de fazerem jornadas extensas para assegurar ganhos adequados; e o recurso generalizado dos empregadores ao trabalho extraordinário com o objetivo de aumentar a produtividade, em lugar de alterar a organização do trabalho ou de investir em capacitação (Lee; McCann; Messenger, 2009, p. 146).
No que diz respeito ao aumento de produtividade, não precisamos nos deter muito. Além das taxas de lucro brasileiras anuais mais vantajosas quando comparada aos Estados Unidos, O Capital de Marx já desnudou por completo o desenvolvimento das forças produtivas como aguilhão para a produtividade social do trabalho sob o capital. A questão ganha mais notoriedade quando se utiliza dessa falsa argumentação da queda da produtividade em pleno movimento ascendente da produtividade pelo aumento da sua força produtiva em escala global, vista em níveis inéditos. Agora, no referente à “[...] necessidade dos trabalhadores de fazerem jornadas extensas para assegurar ganhos adequados [...]”, isto denuncia não só a necessidade de uma regulação dessa jornada de trabalho – no qual a defesa pelo fim da jornada 6x1 mostra-se completamente legítima –, como igualmente de uma revalorização do salário mínimo legal.
Esta última, talvez, seja o aspecto ideológico que mais consegue capturar parcela da classe trabalhadora contra a redução de sua própria jornada de trabalho. O salário mínimo estipulado não consegue valer-se frente ao custo de vida cada vez mais aumentado para a classe trabalhadora, e seus acréscimos anuais representam aumento nominais insignificantes sem qualquer rebatimento real para a subsistência e reprodução da força de trabalho. Se a ação contra a escala 6x1 demonstra-se imperativa, por igual medida o demonstra uma política de aumento real substancial que possa fazer frente coetânea com a luta pela limitação da jornada de trabalho. O Partido do Trabalho deve levar adiante ambas propostas como condição que concentra os interesses da classe trabalhadora em sua reprodução sob o capital.
Fiquemos, no entanto, limitados à redução da jornada de trabalho pelo fim da escala 6x1. Como Proposta de Emenda Constitucional não sabemos sua resolução final. Caberá a pressão organizada em partido de classe para sua apreciação mais vantajosa à classe trabalhadora. De todo o modo, a OIT é insuspeita em suas conclusões finais acerca da redução da jornada de trabalho:
É, portanto, indispensável salientar que as jornadas regulares longas, e a competição nelas baseada, são improdutivas e ao mesmo tempo danosas para os trabalhadores. [...] Limites razoáveis de jornada ajudam a manter a saúde do trabalhador e, desse modo, sua capacidade produtiva. Funcionam ademais como incentivo para as empresas modernizarem sua organização laborativa, inclusive os acordos de duração do trabalho, e investirem no aperfeiçoamento de sua tecnologia e no aumento da capacidade de sua administração e forças de trabalho (Lee; McCann; Messenger, 2009, p. 155-156).
Portanto, caso não queiram ouvir o reclamo do Partido do Trabalho, bastaria a burguesia brasileira ouvir a OIT, que matiza os termos como interesse direto do capital. Ao Partido do Trabalho se impõe realizar, novamente, as tarefas históricas da burguesia brasileira, que por seu “[...] particularismo de classe cego [...]” (Fernandes, 1976, p. 354) revolve-se como verdadeira classe reacionária. A bandeira levantada contra a escala 6x1, se bem que do interesse da classe trabalhadora, é antes uma defesa no interior da lógica do capital. Coloca-se, assim, na esquemática daquelas posições de classe da esquerda conforme age no interior de mobilidade da forma-salário, e não sua destruição. Isto, entretanto, não é demérito. A revolução social não pode partir como um raio de um céu sem nuvens. É preciso conciliar as tarefas imediatas da luta social com suas tarefas e objetivos mediados.
Mas não nos iludamos. Caso seja resoluta o fim da escala 6x1, a conjuntura se mostra mais favorável ao capital do que à classe do trabalho. A entrada do modo de produção capitalista no século XXI reconfigurou as velhas formas comuns da exploração do trabalho. A tônica dominante investe-se na desregulamentação do trabalho com suas novas formas de exploração do trabalho concreto, expresso nos trabalhos por aplicativo, trabalho intermitente, pejotização e etc. Essas formas peculiares de trabalho – que a sociologia do trabalho cunhou como “nova morfologia do trabalho” – tornam-se atrativas para a classe trabalhadora no contexto do miserável salário mínimo legal imposto. Neste sentido, a proposta de fim da escala 6x1 poderia passar sem problemas para o capital enquanto predominam essas novas formas de exploração do trabalho que refugam a legislação e regulação do trabalho. Ademais, desde as recentes contrarreformas trabalhista e da previdência, há tempo que a classe trabalhadora brasileira se encontra a reboque da ofensiva do capital [15]. A pauta pelo fim da escala 6x1 é o momento oportuno do Partido do Trabalho fazer valer os interesses de sua classe e levar a cabo uma contraofensiva que aglutine a posição avessa ao capital adiante.
Não é muito enfatizar: se findado o regime exploratório arcaico da escala 6x1, no qual a pressão do Partido do Trabalho constitui momento decisório, essa não é a luta final, senão seu recomeço sobre novas bases. A desmedida exploração atual do trabalhador brasileiro requer melhoramentos em vários níveis de sua situação. A diminuição da jornada do trabalho é ponto nevrálgico fundamental para essa melhora de condição, até o momento de sua libertação total com a derrocada final do trabalho alienado.
Em seus escritos da juventude, Marx (2017b, p. 124-125) distinguiu com acuidade a forma do conteúdo da lei, e assegurava: “[a] forma não tem valor, se não for a forma do conteúdo”. O conteúdo da redução da jornada de trabalho pelo fim da escala 6x1 é essencialmente em prol do trabalho. No parlamento burguês, entretanto, a proposta pelo fim da escala 6x1 já denuncia a forma que pode tomar em suas disposições finais se passado e aprovado, desfigurando completamente seu verdadeiro conteúdo. Cabe ao Partido do Trabalho coordenar a ofensiva e dotar a forma da lei em respeito ao seu legítimo conteúdo. O fim da escala 6x1 é elemento unificador da classe em seu partido – no sentido histórico do termo – em tempos de cisões, dissidências, rupturas e existência atrófica dos partidos agremiados à esquerda. Abre-se uma nova possibilidade na arena histórica da luta de classes, objetivando mirar o fim do trabalho assalariado e seu correlato, o capital.
*
Notas
[1] A atualidade da argumentação do ensaio chasiniano recobrou sua presença na contemporaneidade a partir de Safatle (2020), retomando, em grosso, a tese defendida há mais de três décadas.
[2] Se a fundação, em 1968, do primeiro PCBR subscreve-se na tragédia da história brasileira – num movimento de numerosas separações e constituição de novas organizações à esquerda dentro da quadra do regime autocrático burguês iniciado em 1964 –, este novo e segundo PCBR, pegando de empréstimo o nome de batismo, parece-nos se direcionar na farsa da história em sua repetição. Em contextos conjunturais distintos, a súmula do problema parece ser a mesma, ou seja, o antigo descontentamento com a direção tomada pelo velho PCB, considerado enquanto organização incapaz de levar a cabo a revolução brasileira.
[3] Acerca da mudança de perspectiva e de atuação dos partidos marxistas, cf. Löwy (2023). Para uma apreciação histórica situada na posição da esquerda no desenlace da ideia de partido – se bem que teoricamente pobre em sua fundamentação – ver cap. 2 de Ramos (2016). As questões ideológicas que refrataram-se na apreciação da teoria marxiana, reconhecidamente no marxismo, podem ser vistas em Rubel (2012).
[4] Carta de Marx à Freiligrath de 29 de fevereiro de 1860, presente em Marx e Engels (1974, p. 256-258). A missiva é anterior à fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores.
[5] Carta de Marx à Freiligrath de 29 de fevereiro de 1860, presente em Marx e Engels (1974, p. 256-258, grifo do autor). Freiligrath, antigo poeta da revolução, dissociou-se da posição comunista quando ocupou o cargo de diretor de um banco suíço numa agência londrina. Sua ideia de partido confundia-se diretamente com a existência da Liga dos Comunistas.
[6] Carta de Marx à Freiligrath de 29 de fevereiro de 1860, presente em Marx e Engels (1974, p. 256-258).
[7] Carta de Marx à Freiligrath de 29 de fevereiro de 1860, presente em Marx e Engels (1974, p. 256-258, grifo nosso).
[8] Não nos referimos à situação institucional de partido, senão a tomada de posição concreta que aglutina os interesses da classe vinculada ao trabalho. Não se deduz daí a nulidade da organização política na efetividade de construção revolucionária, porém que os interesses e conteúdos de classe podem valer-se a despeito das organizações político-institucionais existentes e que, muitas das vezes, podem se encontrar a reboque das lutas imediatas da classe que representam.
[9] Annaes da Câmara dos Deputados do Império do Brazil. Vol. 3, 1884. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1884, p. 362.
[10] Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro. 19 de Agosto de 1885. Anno VI, nº 189, p. 1.
[11] O caráter propagandístico versus o de ação do Partido Abolicionista levou a parcela da historiografia a determinar o papel abolicionista na sociedade brasileira como um movimento surgido das classes dominantes interessadas na destruição das relações sociais escravistas ou, seguindo na mesma linha interpretativa, refugar sua atuação às nascentes “classes médias” brasileiras. O fato histórico concreto, contudo, denota a ofensiva radical e violenta da classe portadora do trabalho de então, isto é, os escravizados, com levantes, fugas, assassinatos e queimas às plantações (Conrad, 1978). Uma distinção bastante precisa no tocante à propaganda e ação abolicionista foi realizada por Saes (1985, p. 51; 283) ao discernir a força dirigente e força principal do processo abolicionista.
[12] Em seus manuscritos preparatórios para O Capital, Marx (2011, p. 119) chegara a seguinte conclusão: “Economia de tempo, a isso se reduz afinal toda a economia”.
[13] “Por meio de seus mais notórios órgãos de ciência, tais como o dr. Ure, o professor Senior e outros sábios da mesma estirpe, a classe média havia predito [...] que qualquer restrição das horas de trabalho significaria necessariamente a morte da indústria britânica, que, como um vampiro, não pode viver senão a sugar o sangue humano, e também o de crianças” (Marx, 2014, p. 97).
[14] A base de dados Marxian Rates of Profit das taxas de lucro mundiais, em seu último registro anual de 2019, computa em torno de 7% a taxa de lucro anual estadunidense contra pouco mais de 10% da taxa de lucro anual brasileira. A isso devem-se algumas determinações não possíveis de tratar nos limites deste artigo. Limitamo-nos a elencar somente alguns dos fatores decisivos para essa diferença: a) a distinta composição orgânica do capital social total dos dois países; b) a alta influência dos investimentos externos de capitais no caso estadunidense, transferindo para os demais países atrativos para dispêndio de capital a sua participação e captação do valor total produzido, podendo prosseguir tranquilamente numa queda da sua taxa de lucro interna em comparativo com outros países e; c) a intensificação e menores custos de trabalho na situação brasileira quando comparada com a condição estadunidense – representando novo atrativo para os investimentos externos de capitais. As taxas, por sua vez, por si só não dizem nada. Nem sempre uma maior taxa de lucro anual brasileira significa aumento da riqueza social brasileira, podendo serem transferidas externamente. Porém, para a argumentação em seu caráter estritamente técnico do ideólogo do capital, é indiferente essa mediação da questão. Apropriada internamente ou externamente, o fato técnico concreto é uma maior taxa de lucro anual para o Brasil quando comparado com o gigante do Norte – sua aspiração político-econômica. Cf. Marxian Rates of Profit. Disponível em: <https://dbasu.shinyapps.io/World-Profitability/>. Acesso em 31 de março de 2025.
[15] Se a contrarreforma trabalhista surge como despotismo do capital contra o trabalho, a contrarreforma previdenciária, por outro lado, não tem outra função que a disputa pela jornada de trabalho no interesse do capital. Ao aumentar o tempo de vida útil produtiva do trabalhador brasileiro em sua contribuição por idade para sua aposentadoria, o que a contrarreforma previdência faz não é mais do que um aumento da mais-valia absoluta quando considerado a jornada de trabalho total da vida de cada trabalhador individual.
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